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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Velho e abandonado, o Porto de Ilhéus vai à luta por mais respeito



O porto envelheceu e não cuidou da aposentadoria

Crédito: JBO

Um porto obsoleto, com operações lentas de carga e descarga, resultado do uso de equipamentos ultrapassados e sem manutenção. Afinal, como atrair navios modernos e de grande porte e novas cargas para um terminal portuário nestas condições? Este foi o tema central do debate ocorrido nesta quinta-feira (18) em Ilheus, sul do estado, durante uma Audiência Pública que analisou o futuro do Porto de Ilhéus.
Inaugurado no início dos anos 70, tendo a exportação de cacau como a principal razão da sua existência, o Porto de Ilhéus chega, 40 anos depois, a uma situação preocupante: mergulhado numa crise sem precedentes, com a maior parte do seu tempo ociosa e sem condições de enfrentar a competitividade dos outros dois portos públicos administrados pela Companhia Docas do Estado da Bahia (Codeba), os de Aratu e Salvador.
Para muitos, o Porto de Ilhéus não soube envelhecer. E nem teria se preocupado com a sua "aposentadoria". Para outros, como o membro do Conselho Portuário, Libério Menezes Filho, parte da culpa é do próprio governo que sempre priorizou os interesses dos Portos de Aratu e Salvador e procurou dizer "sim" aos interesses do Terminal Privativo de Cotegipe. Nos últimos anos, o Porto de Ilhéus perdeu cargas importantes para os três, que ficam localizados na baia de Todos os Santos, muito mais próximos da sede da companhia.
"Quando se fala da Bahia é preciso saber sobre qual delas estamos nos referindo. Tem uma defendida pelos que estão lá na capital, na baia de Todos os Santos. E na Bahia, aquela com “h”, tem mil quilômetros desassistidos", criticou Libério Filho, sendo bastante aplaudido. As críticas dos sindicatos portuários e trabalhadores do Porto de Ilhéus começaram a ganhar força na semana passada, quando, após um acidente no terminal ilheense que, inclusive, investiga-se se foi ou não criminoso, o governador Jaques Wagner esteve em Brasília, segundo sua assessoria, em busca de recursos para o Porto de Aratu. Na matéria não é mencionada nenhuma preocupação do governador com o Porto de Ilhéus. "As entidades ditas da Bahia, só defendem a baia de Todos os Santos", provocou Libério Menezes Filho.
Os mais enfáticos põem o dedo inteiro na ferida. O fim do Porto de Ilhéus é um objetivo, baseado em interesses meramente econômicos, da parte do litoral da Bahia sem "h". "No Brasil falta porto, como vamos deixar um porto que está pronto acabar?", rebate o diretor da Codeba, Antônio Celso, que participou da audiência. Segundo ele, não existe o "fantasma" de fechar o porto, nem risco de se provocar caos com um dos grande símbolos do poder econômico da região nas décadas de 70 e 80, quando Ilhéus chegou a ser o maior exportador de cacau no mundo.
Celso reconhece que o terminal "desconectou-se da história, da necessidade de hoje e do futuro. Mas é possível corrigir isso". E garante que da parte da Codeba "não há espaço institucional para nenhum arroubo pessoal para tomar nenhuma decisão contra o Porto de Ilhéus". Demonstrando confiança na visão que tem do futuro, o diretor da Codeba disse ainda que é a fotografia estática do porto que dá preocupação. "Mas o filme em movimento a gente tem hoje para provar que as coisas vão melhorar", garante.
Entre 2009 e 2010, a Codeba alega ter investido 16 milhões de reais em uma obra de contenção do cais, pré-requisito para a realização da grande necessidade do terminal: o aprofundamento do porto. Projetado para, no máximo, 10 metros de profundidade, o porto sofre com o assoreamento e precisa passar por duas dragagens. A primeira, mais simples, é chamada de dragagem de manutenção. Ou seja, recuperar a sua profundidade original, já que hoje é de apenas 9 metros e 30 centímetros. A outra, muito mais complexa, está sendo chamada de dragagem de aprofundamento, seria acrescer pelo menos quatro metros do que fora projetado nos anos 70, ou seja, chegar a 14 metros de profundidade.
Para Renato Neves, um outro diretor da Codeba, o projeto mais simples depende apenas de uma licença ambiental a ser emitida pelo Ibama. O pedido já está no órgão há dois anos, sem resposta. Agora em julho, o Ibama emitiu um termo de referência com todas as exigências para a contratação de um estudo de impacto ambiental para subsidiar esta licença. A Codeba já contratou a empresa e o relatório já está em elaboração. A licitação para a dragem já foi feita e custará 4 milhões de reais. O dinheiro, recursos próprios da Codeba, já está reservado e assim que tiver a licença ambiental em mãos, a obra começa.
O segundo projeto, muito mais complexo, vai precisar de um estudo bem mais aprofundado de engenharia costeira. Renato Neves lembra que o porto de Ilhéus está implantado em mar aberto numa região de transporte litorâneo de sedimentos relativamente intenso. A construção do espigão, na década de 60, segundo explicou, barrou este movimento litorâneo. Como consequência a cidade teve um alargamento da avenida Soares Lopes. Mas a areia retida ao sul faz falta ao norte. Problemas de erosão na região do São Miguel até hoje carecem de maiores explicações.
"Aprofundar para 14 metros sem um minuncioso estudo de engenharia, em primeiro lugar o Ibama não autorizaria; e, em segundo, seria uma grande irresponsabilidade que estaríamos cometendo", explica Neves. O fato é que mesmo diante de explicações técnicas e das promessas de que o Porto de Ilhéus não vai afundar, sindicatos, autoridades políticas e trabalhadores do terminal decidiram lutar pela recuperação do terminal. "O movimento está evoluindo. Vamos colher os frutos desta luta", resumiu Libério Menezes.
Para a vereadora Carmelita Ângela, do Partido dos Trabalhadores, a região - e não só Ilhéus - inicia a nova fase de uma luta que tem a necessidade de ser pemanente e não deve jamais ser solitária. "Precisamos envolver todos os setores e reivindicar o que é nosso, de fato e por direito", disse, acrescentando que o Porto de Ilhéus é mais que um símbolo de luta e de desafios do trabalhador de Ilhéus. "É um patrimônio construído com o dinheiro e o suor do nosso povo", completou.
O primeiro porto brasileiro construído em mar aberto apresenta-se, 40 anos depois, disposto a entrar firme nesta briga. Por mais respeito, por melhores dias, e por uma Bahia cujo litoral não seja dividido por um estado com "h". E outro, sem.

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